Vandovsky
Um resto de tudo
Balada da Neve
Batem leve, levemente,
como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim.
É talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho...
Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.
Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria...
– Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!
Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho...
Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança...
E descalcinhos, doridos...
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!...
Que quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!...
E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
– e cai no meu coração.
Augusto Gil (Luar de Janeiro)
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Eu queria ser Pai Natal
Eu queria ser Pai Natal
E ter carro com renas
Para pousar nos telhados
Mesmo ao pé das antenas.
Descia com o meu saco
Ao longo da chaminé,
Carregado de brinquedos
E roupas, pé ante pé.
Em cada casa trocava
Um sonho por um presente
Que profissão mais bonita
Fazer a gente contente!
Poema de: Luísa Ducla Soares
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PRELÚDIO DE NATAL
Tudo principiava
pela cúmplice neblina
que vinha perfumada
de lenha e tangerinas
Só depois se rasgava
a primeira cortina
E dispersa e dourada
no palco das vitrinas
A festa começava
entre odor a resina
e gosto a noz-moscada
e vozes femininas
A cidade ficava
sob a luz vespertina
pelas montras cercada
de paisagens alpinas
Poema de: David Mourão-Ferreira
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Winter Wonder
A pálida luz da manhã de Inverno,
O cais e a razão
Não dão mais esperança, nem uma esperança sequer,
Ao meu coração.
O que tem que ser
Será, quer eu queira que seja ou que não.
No rumor do cais, no bulício do rio
Na rua a acordar
Não há mais sossego, nem um vazio sequer,
Para o meu esperar.
O que tem que não ser
Algures será, se o pensei; tudo mais é sonhar.
Fernando Pessoa
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Poema de Natal
Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.
Vinicius de Moraes
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Os sapatos na chaminé
Quando, na noite de 24 de Dezembro de 286, os irmãos Crispim e Crispiniano fugiam às perseguições, em Crepy-Valois, fartaram-se de bater às portas das casa, mas ninguém lhes deu abrigo.
Acolheu-os, numa cabana escondida num bosque, quase a desmoronar-se, uma viúva que vivia miseravelmente com o filho. Deu-lhes uma tigela de caldo de couves e dois nacos de pão negro.
Contentes, os dois irmãos, que eram soqueiros, pediram a Deus que recompensasse a generosidade da viúva.
Crispim viu a um canto um par de socos velhos, do rapazinho, fez um par deles novos e colocou-os à beira da pedra da lareira, enquanto a viúva e o filho dormiam. Quando eles acordaram repararam que os dois hóspedes tinham desaparecido e na lareira estava um par de socos novos, transbordante de moedas de ouro.
Desde o séc. III, segundo a lenda, todas as crianças põem os socos na lareira, na esperança de que se repita o milagre feito por intermédio dos santos padroeiros dos sapateiros São Crispim e S. Crispiniano.
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João e o pé de feijão
Era uma vez um rapaz chamado João. Ele vivia com a sua mãe numa casa muito modesta. A mãe estava desempregada e só tinha uma pequena horta onde cultivava todo o tipo de legumes. Às vezes, eles passavam fome mas escondiam essa situação dos vizinhos e dos familiares.
Com muito sacrifício, a mãe comprara uma vaca mas já não conseguia sustentá-la convenientemente e decidiu vendê-la. O rapaz ficou com muita pena, pois gostava muito dela e tratava-a muito bem: dava-lhe de comer e beber e mimava-a. Na escola, a professora ensinara-o a respeitar os animais.
Um dia, a mãe pediu-lhe para levar a vaca até à feira e vendê-la pelo melhor preço. Pelo caminho, encontrou um homem que lhe fez uma proposta tentadora: trocar a vaca por um punhado de feijões que disse serem mágicos. João não hesitou, pois pareceu-lhe ser uma troca justa.
Contrariamente ao que o João previra, a mãe achou que ele tinha feito um negócio ruinoso e, num gesto de cólera, atirou os feijões pela janela. João nem esboçou sequer um protesto. Ficou muito arrependido e foi-se deitar, muito triste, pois contribuíra involuntariamente para aumentar as dificuldades da mãe.
Na manhã seguinte, João acordou sobressaltado. Pareceu-lhe ouvir um ruído lá fora. Levantou-se, espreitou pela janela da cabana e ficou estupefacto: um enorme feijoeiro crescera junto à janela. João correu para o exterior.
As crianças são curiosas… e João não era excepção. Sem hesitar, começou a trepar, ou melhor, a escalar aquela planta gigantesca, altíssima, que crescera,sem dúvida, de um feijão mágico. O rapaz recuperou a boa disposição habitual.
Corajosamente, trepou, trepou, trepou, até passar acima das nuvens. Quase tocava no céu. Quase sem fôlego, o rapaz continuou a sua escalada. Parecia nunca mais ter fim.
Até que, finalmente, chegou ao cimo do feijoeiro. Com enorme surpresa, como se fosse um sonho, João viu um castelo maravilhoso, tal como os castelos encantados, com as suas torres pontiagudas a perfurarem o céu.
O João seguiu por um caminho à beira de precipícios. A porta estava aberta e reinava o silêncio. Cheio de curiosidade, mas um pouco receoso, entrou no castelo.
Quando chegou ao salão, reparou num armário cheio de ovos de ouro. Em cima da mesa, estava uma galinha e uma harpa estranha e brilhante, que também atraíram a atenção do João.
Subitamente, ouviu o som de passos assustadores que faziam estremecer o chão e uma voz cavernosa ecoou pelo castelo.
Subitamente, ouviu o som de passos assustadores que faziam estremecer o chão e uma voz cavernosa ecoou pelo castelo.
“Toca”, gritou novamente o gigante, dirigindo-se à harpa. Ela tocou a mais bela melodia que alguma vez João ouvira. Ficou tão maravilhado que pensou: “Quem me dera dar aquela harpa à minha mãe!”
Entretanto, o gigante adormeceu, ao som daquela melodia.
João saltou do armário, trepou pela perna da mesa e agarrou
rapidamente a galinha e a harpa. Depois, correu o mais depressa possível para fora do castelo.
“Socorro”, gritou a harpa, ao sentir-se agarrada, tentando acordar o gigante. As pernas do João responderam com uma correria desenfreada a caminho do feijoeiro salvador.
O gigante acordou sobressaltado, ainda a tempo de ver o rapaz a fugir do castelo. “Vou-te apanhar! Fi, Fi, Fó, Fum! Mau como eu não há nenhum!”, gritava ele. Apressadamente, João começou a descer o feijoeiro.
O gigante vinha mesmo atrás dele.
”Vou-te apanhar! Fi, Fi, Fó, Fum! Mau como eu não há nenhum!”, continuava o gigante, agarrando-se ao feijoeiro.
Quando terminou a descida, João gritou “Mãe, corta o feijoeiro! DEPRESSA!”
Rapidamente, a mãe foi buscar um machado e cortou, cortou, cortou tanto o feijoeiro, que ele tombou com um estrondo enorme. O mesmo destino teve o horrível homenzarrão.
A partir daquele dia, O João e a mãe puderam levar uma vida feliz, sem pobreza.
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Lenda da Árvore de Natal
Quando o Menino Jesus nasceu, todas as pessoas e animais e até as árvores sentiram uma imensa alegria.
Do lado de fora do estábulo onde o Menino dormia, estavam três árvores: uma palmeira, uma oliveira,e um pequeno pinheirinho.
Todos os dias as pessoas passavam e deixavam presentes ao Menino.
- Nós também Lhe deviamos dar prendas! - disseram as árvores.
- Eu vou dar-lhe a minha folha mais larga - disse a palmeira - quando vier o tempo do calor ele pode abanar-se com ela e sentir-se mais fresco.
Então disse a oliveira :
- E eu vou dar-lhe óleo.Perfumados óleos poderão ser feitos a partir do meu sangue.
- Mas que lhe poderei dar eu?
- Perguntou ansioso o pequeno pinheiro.
- Tu? Os teus ramos são agudos e picam - disseram as outras duas árvores.
-Tu não tens nada para lhe dar.
O pequeno pinheiro estava triste. Pensou muito,muito,em qualquer coisa que pudesse oferecer ao Menino que dormia, qualquer coisa de que o Menino pudesse gostar. Mas não tinha nada para lhe dar.
Então um anjo, que tinha ouvido a conversa toda, sentiu pena da arvorezinha que não tinha nada para dar ao Menino.
As estrelas estavam a brilhar no céu. Então o anjo, muito de mansinho, trouxe-as uma a uma cá para baixo, desde a mais pequeina à mais brilhante e colocou-as nos ramos pontiabgudos do pinheiro. Dentro do estábulo, o Menino acordou. E olhou para as três árvores do lago de lá da gruta , contra a escuridão do céu.De repente as folhas escuras do pinheiro brilharam, resplandecentes, porque nelas as estrelas descansavam como se fossem elas.
Que lindo estava o pequeno pinheiro, que não tinha nada a oferecer ao Menino...
E o Menino Jesus levantou as mãozinhas, tal como fazem os bebés, e sorriu para as estrelas e para aquela árvore que lhe iluminara a escuridão da noite.
E desde então o pinheiro ficou a ser, para todo o sempre, a Árvore de Natal.
(História tradicional inglesa)
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Reason to believe
Não acredite em algo
simplesmente porque ouviu.
Não acredite em algo
simplesmente porque todos falam a respeito.
Não acredite em algo
simplesmente porque esta escrito em seus livros religiosos.
Não acredite em algo
só porque seus professores e mestres dizem que é verdade.
Não acredite em tradições
só porque foram passadas de geração em geração.
Mas depois de muita análise
e observação,
se você vê que algo concorda
com a razão,
e que conduz ao bem e beneficio de todos,
aceite-o e viva-o.
Buda
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O Espírito do Natal
Estava o Senhor Teotónio, que era rico, muito gordo e grande fumador de charutos, a carregar o carro com os presentes que passara a manhã a comprar para os filhos, para os sobrinhos e para as muitas pessoas com quem fazia negócios, quando se aproximou dele um homem pobre, idoso e magro, que prontamente obteve dele esta resposta:
— Comigo não perca tempo porque não tenho dinheiro trocado, nem alimento falsos mendigos.
— Mas eu não lhe pedi nada — respondeu o homem idoso serenamente, com um sorriso que desarmou o Senhor Teotónio e a sua bazófia de novo-rico.
— Então se não me quer pedir nada, por que motivo está tão perto de mim enquanto eu carrego o meu carro? — perguntou o Senhor Teotónio entre duas baforadas de charuto que fizeram o homem idoso e magro tossir convulsivamente.
— Estou aqui, meu caro senhor — respondeu ele, já refeito da tosse — para tentar perceber o que as pessoas dão umas às outras no Natal.
— Com que então — concluiu ironicamente o Senhor Teotónio, grande construtor civil com interesses de norte a sul do País — temos aqui um observador! Deve ser, certamente, de uma dessas organizações internacionais que nós pagamos com o nosso dinheiro e que não sabemos bem para que servem.
— Está muito enganado. Mas já agora responda à minha pergunta: o que é que as pessoas dão umas às outras no Natal? — insistiu o homem pobre, idoso e magro.
— Bem, se quer mesmo saber, eu digo-lhe. Quem tem posses como eu pode comprar uma loja inteira, deixando toda a gente feliz, a começar nos comerciantes e a acabar nas pessoas que vão receber os presentes. Quem é pobre como você fica a assistir. Percebeu a diferença?
O homem magro e idoso reflectiu uns instantes sobre a resposta seca e sarcástica do Senhor Teotónio e depois respondeu-lhe com uma nova pergunta:
— Então e o espírito do Natal?
— O que vem a ser isso do espírito do Natal? — quis saber, cheio de curiosidade, o Senhor Teotónio.
— O espírito do Natal — respondeu o homem idoso e magro — é aquilo que nos vai na alma nesta altura do ano e que está muito para além dos presentes que damos. Para muitas pessoas, o melhor presente pode ser um telefonema, uma carícia ou um telefonema quando se está só.
O homem magro e idoso afastou-se do carro, mostrando que não queria esmolas nem qualquer outra coisa que lhe pudesse ser dada pelo Senhor Teotónio, e encaminhou-se para um grupo de crianças que o esperavam.
Quando o Senhor Teotónio passou por eles no carro, ouviu uma voz de criança a dizer:
— Vamos, Espírito do Natal, porque hoje ainda temos muito que fazer.
Dizendo isto, o grupo ergueu-se no ar a esvoaçar com destino incerto, largando um pó luminoso enquanto ganhava altura no céu cinzento de Dezembro.
José Jorge Letria
A Árvore das Histórias de Natal
Porto, Ambar, 2006